terça-feira, 22 de maio de 2012

O IMPÉRIO BABILÔNICO: 612–538 a.C.

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                      O IMPÉRIO BABILÔNICO

(612 - 538 a.C. - 2Rs 18-25; Jr 52, Lm)

 

1. Judá sob o domínio egípcio

Voltando da incursão contra a Assíria, o faraó Necao depõe o rei Joacaz e coloca em seu lugar Eliacim, mudando-lhe  o nome para Joaquim. Desse modo, Judá se tornava vassalo do Egito, e o faraó garantia para si  um aliado estratégico. Jeremias critica violentamente essa política pró-Egito, e Habacuc levanta a questão sobre essa interminável sucessão de dominações.

 

2. Fim do Reino de Judá

Em 605 a.C. Nabucodonosor, rei da Babilônia, derrota o exército egípcio em Carquêmis e torna Judá um estado vassalo. Joaquim paga tributo durante três anos, mas devido a uma derrota dos babilônios contra o Egito, o rei de Judá   se alia novamente aos egípcios.

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Em 598 a.C. Nabucodonosor entra em Jerusalém e mata Joaquim. O filho deste, Joaquin, é posto no trono. Mas após três meses, os babilônios conquistam Jerusalém, depõem Joaquim e, em seu lugar, colocam Matanias, mudando-lhe o nome para Sedecias. Acontece então a primeira deportação

Entre os deportados estava o profeta Ezequiel. Instigado pelo partido pró-Egito, Sedecias tenta se livrar da Babilônia e cessa  de pagar tributo.

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Em 587 a.C. Nabucodonosor cerca Jerusalém durante um ano. A cidade vive uma situação desesperadora por causa da fome.  Em julho de 586 a.C. Jerusálem é invadida.  Sedecias tenta fugir, mas é preso, torturado e exilado na Babilônia. Um mês  depois a cidade é incendiada, juntamente com o Templo. A população da cidade é levada para a Babilônia (segunda deportação). Na terra ficam apenas os camponeses, que forneciam gêneros “in natura” para os dominadores.

 

3. O exílio

Na Babilônia, os judeus deportados viviam em comunidades. De início tinham esperança de que o rei Joaquin voltasse ao trono, mas aos poucos foram se desligando da pátria e assimilando a cultura babilônica.

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Os jardins suspensos da Babilônia, imaginados por Martin Heemskerck.

 

Nesse tempo temos a atividade do profeta Ezequiel, que procura  refazer o ideal pátrio, projetando a reconstrução futura da cidade de Jerusalém e do Templo.

 É no ambiente do exílio que surgem as sinagogas, na tentativa de preservar a identidade cultural do povo. Dentro deste clima, a escola deuteronômica, fundada no tempo de Josias, prossegue seus trabalhos, reeditando o Deuteronômio, publicando mais textos proféticos e organizando a grande história que abraça os livros de Josué, Juízes, 1  e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. 

Ao lado disso temos também uma grande atividade dos sacerdotes exilados, que prosseguirá no pós-exílio, procurando manter a identidade judaica através da elaboração legislativa e cultural.

Nem todos, porém,  foram levados para a Babilônia. Muitos fugiram para o Egito e se fixaram provavelmente na cidade de Elefantina, para onde foi levado o profeta Jeremias 

 

4. Decadência da Babilônia

A decadência da Babilônia começou com a ascenção de Nabônides ao poder. De origem discutida, esse rei quis substituir Marduc, deus principal dos babilônios, pelo deus da Lua, e centralizou o culto na capital. Essa atitude provocou frustração e revolta entre os Babilônios. Abônides se retira da capital e vai viver em Tema, na Arábia, por dez anos, deixando Baltazar seu filho, como governador da Babilônia.

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Sítio arqueológico da cidade da Babilônia (Wikipédia)

 

5. Fim do Império Babilônico

É nessa época que Ciro consegue unir os reinos da Pérsia e da Média e começa a avançar para o ocidente. Um profeta desconhecido, chamado Segundo-Isaías (Is 40-55), celebra no avanço de Ciro a libertação dos exilados, cantando a volta para a pátria como um novo êxodo.

Em 539 a. C. Ciro entra na Babilônia, aclamado pela própria população, e se torna “rei da Babilônia e reis dos países”. Termina, assim, o domínio babilônico no Oriente Médio, que durou aproximadamente um século.

 

6. Bibliografia

BRIGHT, J., História de Israel, pp. 436-487.

CAZELLES, H., História política de Israel, pp. 187-210.

HARRINGTON, W. J., Chaves para a Bíblia, pp. 131-137.

 

Fonte: Guia de leitura dos Mapas da Bíblia, Euclides Martins Balancin, Ivo Storniolo e José Bortolini – São Paulo: Paulus, 2002.

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 DANIEL

 

Daniel (heb., juiz de Deus; isto é aquele que julga em nome de Deus), cerca de 603 a 534 a.C., em Ezequiel, juntamente com os nomes de Noé e Jó, menciona-se o de Daniel como modelo de sabedoria e justiça  (Ez 14:20 e 28:3).

O livro de Daniel afirma que, durante o cativeiro babilônico, ele ocupava uma posição de responsabilidade nas cortes de Nabucodonosor, Dario e Ciro, apesar de todas as tramas de seus rivais. O livro foi escrito, em parte, no hebraico e, em parte no aramaico e coloca-se, tanto na nossa Bíblia como também na LXX e na Vulgata, depois do livro de Ezequiel; enquanto no Cânone Hebraico, não aparece entre os profetas mas nos Hagióprafo.

A primeira parte é uma narrativa e a segunda consiste de visões apocalípticas dos impérios  dos babilônios, dos medos, dos persas e dos gregos, sucedidos pelo reino do povo do altíssimo.

Muitos críticos opinam que o livro, na sua forma atual, pertence ao período da perseguição de Antíoco Epifânio, cerca de 167-165 a.C.. Entretanto, a matéria da narrativa é duma era mais remota, e muitos detalhes tem sido confirmados de modo notável, pela evidência de monumentos recentemente descobertos.

 

Fonte: Conciso Dicionário Bíblico, D. Ana e Dr. S. L. Watson, 12ª Edição, 1983, Imprensa Bíblica Brasileira.       

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domingo, 6 de maio de 2012

TERRA PROMETIDA - Canaã

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1ª Oficina Bíblica de Férias, Garuva, Santa Catarina, Brasil

Janeiro de 2011

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A TERRA PROMETIDA

1300-1200 a.C. – Js 1: 1-12, 24

 

1. NOME

O  nome Canaã significa, provavelmente, “país de lã púrpura”, pelo fato de produzir principalmente esse tipo de lã.

 

2. DIMENSÕES

Na faixa entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão, de norte a sul, mede 240km; de leste a oeste varia entre 45 e 85 Km. Sua superfície é de 25.000 Km2, pouco maior que o estado de Sergipe.

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3. TOPOGRAFIA

Aí se situa a maior falha geológica do globo terrestre, formando uma grande depressão de norte a sul, onde se situa o vale do rio Jordão, o qual desce até 398 m abaixo do nível do mar, ao atingir o Mar Morto.

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Essa depressão é cercada por duas cadeias de montanhas, dividindo o território em várias regiões: planície costeira, junto ao Mar Mediterrâneo, a cadeia central de montanhas, o vale do Jordão, o planalto a leste e, por fim , a estepe. Essa divisão exerce importantes reflexos no clima e na política de Canaã. A planície costeira é dividida em duas pelo monte Carmelo.

 

4. CLIMA

Há, praticamente, só duas estações: a das chuvas(outubro a junho) e a das secas(junho a outubro). As chuvas são mais abundantes na zona  costeira e na cadeia central de montanhas, sendo escassas no vale do Jordão, principalmente no sul. Aí o calor é muito forte, quase insuportável, esfriando à noite.

 

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O verão é amenizado pela queda do orvalho à noite, umedecendo o solo. No vale do Jordão, porém, não cai orvalho. Entre as estações sopra um vento quente e seco, chamado siroco, que prejudica tanto as pessoas como os animais e a vegetação.

 

5. HIDROGRAFIA

Canaã é paupérrimo em rios. Além do Jordão, na parte oeste existe praticamente só um rio com certa perenidade: o Quison, na planície de Zezrael.

Nascente do rio Jordão

 

A leste, o Jordão possui dois afluentes: Jaboc e Jarmuc, além do rio Arnon que deságua no mar Morto.

 

    Mar Morto

 

São comuns os rios intermitentes e periódicos na época das chuvas (os wadis; os rios temporários),que formam barreiras naturais e vias de comunicações durante a seca. O solo calcário do território absorve a água e, por isso, favorece o aparecimento de fontes e escavações de poços.

 

6. POLÍTICA

Na época imediatamente anterior à instalação dos israelitas, Canaã era parte do império egípcio. O Egito havia afrouxado o controle sobre a região, contentando-se em receber tributos pagos pelos reis das cidades-estado espalhadas por todo o território, que viviam em contínuas lutas para assegurar sua própria cidade e para conquistar outras.

Essas lutas favoreceram a atividade de grupos insatisfeitos com o sistema (os ‘apirus) que, guerreando ora a favor de um rei ora a favor de outro, procuravam desestabilizar  não só o sistema cananeu, mas também o egípcio.

As ações desses grupos são frequentemente relatadas nas cartas de Tell el-Amarna que os reis cananeus enviaram ao faraó, de tal maneira que o termo passa a significar desordeiro, subversivo.

Uma das Cartas de Amarna

 

Procurava-se identificar o termo ‘apiru com o termo hebreu. Assim sendo, os hebreus seriam parte de um grupo insatisfeito com o sistema cananeu e egípcio.

A posição estratégica de Canaã na rota comercial e militar dos grandes impérios fazia com que as cidades-estado fossem fortificadas. Eram verdadeiras fortalezas, principalmente nas passagens mais importantes.

 

7. ECOMOMIA

Essa política sustentava uma economia eminentemente agrícola, onde os camponeses eram explorados pela cidade-estado que mantinha a área de influência sobre eles.

Procurando escapar dessa exploração, muitos deles se refugiavam nas regiões montanhosas, onde praticavam uma agricultura de subsistência e se dedicavam ao pastoreio, dirigindo-se muitas vezes para a região da estepe. Isso favorecia continuamente o conflito cidade X campo.

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Com esse “afastamento”, o centro político urbana ficava diminuído em seus tributos que enriqueciam a elite, enquanto os camponeses se sentiam mais livres.

Para evitar isso, a cidade procurava compensar com tropas de proteção contra invasores, ou se unindo em aliança contra outra cidade pra manter o controle direto de um âmbito mais extenso.

Por outro lado, a exploração da cidade favorecia a diminuição da tensão entre pastores e agricultores, levando-os a lutar contra o inimigo comum.

 

8. RELIGIÃO

O deus supremo da religião Cananéia era El, divindade que não exercia nenhuma ação direta sobre as pessoas ou a natureza.

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 El, o deus cananeu principal, o “criador das criaturas” e o “criador da terra”, como ancião amável. A veste longa solene, a postura sentada e a mão direita que abençoa caracterizam-no como soberano senhor, polo de repouso e poder bondoso - figura em bronze, banhada a ouro, proveniente de Ugarit,  entre 1500-1000 a.C..

 

As principais divindades ativas eram Baal e Anat, ligadas ao culto da fertilidade da terra. Suas  atividades míticas eram representadas no culto através do rito da prostituição sagrada.

Embora fossem divindades ligadas a natureza, representavam uma força ideológica importante dentro do sistema cananeu. Visto que os santuários estavam ligados à cidade, eram deuses que mantinham o “status quo”.

Muitas terras pertenciam a esses santuários e a  eles eram pagos os tributos que revertiam, em grande parte, para a manutenção da elite. No ritual, o rei era quem exercia a função de Baal. 

Desse período, sabe-se muito pouco a respeito de como os camponeses e pastores se relacionavam com a religião. Provavelmente tinham seus deuses domésticos.

A manutenção do culto a Baal preso à cidade, a conotação materialista da religião, e a multiplicação de ídolos fragmentavam a unidade ideológica da luta dos camponeses contra as cidades-estado.

 

9. A CHEGADA DOS FILISTEUS

Os filisteus são parte do ”povo” do mar, de origem ageu-asiática, que no final do séc. XII a.C. invadiram o Egito. Expulsos de lá por Ramsés III, por volta de 1175 a.C. os filisteus foram se instalar na costa sul de Canaã.

Ramsés III em um relevo no templo de Khonsu

Ramsés III em um relevo no templo de Khonsu

 

Famosos por seu porte físico e organização militar, introduziram o ferro na região, sobre o qual exerceram o monopólio. Mais tarde, formarão uma confederação chamada Pentápole, composta – como o próprio nome diz - de cinco cidades: Azoto, Ascalon, Acaron, Gat, e Gaza.

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No templo Medinet Habu, inscrição retrata prisioneiros filistinos libertados (₢ AKG IMAGES/LATINSTOCK)

 

Serão um dos inimigos ferrenhos  dos israelitas. Submetidos por Davi, ainda exerceram influência até o séc. VIII a.C., quando parece terem sido completamente assimilados. Alguns historiadores creem que os filisteus, mais do que  invasores de Canaã, fossem uma espécie de “testa de ferro” egípcia na região. Por ironia, o nome Palestina, dado ao país por muito tempo, é derivado desses adversários de Israel.  

MUSEU DE ISRAEL  JERUSALÉM

O rei Saul e seus guerreiros: na narrativa bíblica, o governante israelita é degolado pelos filisteus (MUSEU DE ISRAEL, JERUSALÉM)

 

10. DATA MAIS IMPORTANTE  

Cerca de 1230 a.C.: chegada dos hebreus a Canaã (Js 1-2).

 

11. BIBLIOGRAFIA

BRIGHT, J., História de Israel, pp. 148-164.

GOTTWALD, N. K., As tribos de Iahweh, pp. 399-417, 470-491.

BRUEGGEMANN, W., A imaginação profética, cap.1: “A comunidade alternativa de Moisés”, pp. 9-32.

HEINRICH, Krauss. As origens: um estudo de Gênesis 1-11, São Paulo:Paulinas 2007.

 

Fonte: Guia de Leitura aos Mapas da Bíblia de  Euclides Martins  Balancin, Ivo Storniolo e Jose Bortolini – Editora Paulus, 2002.

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quarta-feira, 2 de maio de 2012

A SERPENTE E SATÃ

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São Francisco do Sul, Santa Catarina, Brasil.

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Comentário sobre relato bíblico:

Os estudos bíblicos se constituem numa vibrante área de pesquisa que publica de forma intensa. Isso deve-se ao facínio que os textos antigos exercem sobre os leitores contemporâneos, seja como texto de saber histórico, seja como texto que sempre se mostra aos leitores de forma renovada.

Por isso, a Bíblia é estudada numa riqueza de perspectivas, abordagens, métodos  e hermenêuticas. Ao interesse pelo texto bíblico soma-se a busca por sua origem, da mesma forma que pelos textos que lhe são vizinhos: os apócrifos, pseudepígrafos, os Manuscritos do Mar Morto. Gabrielle Boccaccini - Departamento de Estudos do Oriente Próximo da  Universidade de Michigan, E.U.A..

 

A SERPENTE E SATÃ

 

As Origens: um estudo

de Gênesis 1-11

Heinrich Krauss e Max Küchler

 

 

A serpente era mais astuta do que todos os animais dos campos que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: “Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?”. A mulher respondeu à   serpente: “Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte”. A serpente disse então à mulher: ”Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia que deles comerdes, vosso olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal”.

 

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PAUL GAUGUIN – EVA E A ÁRVORE DA "CIÊNCIA DO BEM E DO MAL"

 

Na narrrativa, a entrada em cena, sem mais, de uma serpente, por meio da qual o ser humano desperdiçará  sua oportunidade de tornar-se imortal, pode causar estranheza. O motivo lembra a Epopéia de Gilgtamesh, cujo herói anseia por imortalidade, busca uma “planta da  vida” e chega até mesmo a encorntrá-la. Mas ela lhe é roubada por uma serpente, que come da  planta e pode, assim, sempre rejuvenescer, uma vez que muda de pele.

 

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A serpente, rastejando sobre o próprio ventre e picando o ser humano na coxa ou no acalcanhar (cf.Gn 3, 14), sobre um pedaço de cerâmica mesopotâmico – por volta de 1960-1860 a.C..

 

Pode-se perguntar por que nos mitos e sagas de muitos povos, justamente a serpente se imiscui nos negócios humanos. Presumivelmente, a razão para isso reside na misteriosa existência que lhe foi atribuída no mundo antigo.

Via-se no sinistro animal, que habitava buracos escuros e fendas de rochas, um produto imediato da mãe-terra, o qual, por isso, possui força e capacidades especiais.

Entre estas contava-se também a capacidade de falar, razão pela qual a origem de muitos lugares de oráculos foi remontada a uma serpente, como no oráculo grego de Delfos, que alude ao dragão primitivo Píton, a partir do qual foi nomeada a vidente Pítia.

Essa capacidade de falar poderia explicar o fabuloso motivo do animal falante que, de outro modo, é estranho à Bíblia e, à parte a narrativa do paraíso, só aparece ainda  na história da jumenta de Balaão(Nm 22, 22-35).

A postura do ser humano em relação à serpente,  é até  hoje, ambígua. A periculosidade e a perfídia dela eram proverbiais. Assim, em uma fábula de Esopo, ela semeia desconfiança, a fim de destruir uma amizade. 

Por outro lado, existiam também tradições a propósito de seu caráter auxiliador que a transforma numa interlocutora do ser humano. Visto que se coligavam as serpentes com a fecundidade e com a vida eterna, elas se transformaram no atributo do deus curador Asclépio, como símbolo de uma vida longa e de poder curador, o que ainda hoje se mostra no fato de médicos e farmacêuticos introduzirem a serpente de Asclépio como símbolo de sua profissão.

Um resquício dessa concepção da força curadora da serpente encontra-se ainda no relato da marcha dos israelitas pelo deserto, em que Moisés manda erigir a “serpente de bronze” para proteção contra o veneno das cobras (Nm 21, 4-9).

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Os aspectos positivos da serpente foram posteriormente sempre mais reprimidos pela tradição bíblica posterior. Alguns exegetas vêem a razão para isso na polêmica contra os cultos cananeus, nos quais a serpente – devido à troca de pele periódica – era um símbolo corrente ligado a Baal, o deus da fertilidade, da permanente renovação da vida.

Assim, a história do paraíso desejaria tornar evidente que a serpente, que na verdade não concede a vida mas produz a morte, é uma opositora do Deus Bíblico.

Inevitavelmente surge a pergunta por que a serpente empregou tanta maldade para enganar a mulher. Estranhamente, o texto não oferece nenhuma informação direta disso.

Talvez aqueles mitos que contam a respeito de uma rivalidade entre animal e ser humano poderiam conduzir à pista certa. Na verdade, a partir do contexto narrativo, conclui-se que, no paraíso, o ser humano tinha a oportunidade de comer da árvore da vida e, mediante isso, tornar-se imortal, caso não tomasse do fruto proibido.

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                                        Adão e Eva, Mabuse, Século XVI

 

Dado que foi atribuída à serpente uma ambição da imortalidade, é provável que ela tenha agido por inveja e ciúmes da posição priveligiada do ser humano.

Em favor dessa interpretação depõe o fato de inveja e ciúmes, como fonte de má ações, terem um papel decisivo também em outras narrativas do livro do Gênesis; assim o é no assassinato de Abel por seu irmão Caim, no ludíbrio do pai por causa da primogenitura da história de Jacó e no ódio dos irmãos contra o predileto   do pai no relato de José.

Quanto a uma identificação da serpente do paraíso com o demônio, não há nada no Antigo Testamento. Em Gn 3,1, diz-se, até mesmo expressamente, que a serpente era um dos animais que “Iahweh Deus tinha feito”. Se ela, ao mesmo tempo, em razão de sua astúcia, é apresentada como algo especial em relação aos animais criados, isso não constitui nenhum indício de que o narrador quisesse aludir a algum poder extraterrrestre.

Essa interpretação encontra apoio no fato de que o livro do Gênesis não conhece nenhum dualismo entre Deus e agentes sobrenaturais oponentes; antes, vê na possibilidade do mal uma realidade que reside no ser humano, cuja origem não precisa de explicações ulteriores.

Somente tradições extrabíblicas tardias, do judaísmo do início da era cristã, que também influenciaram nas concepções cristãs acerca da origem do mal, narravam que já antes da criação do mundo Lúcifer, o anjo da mais alta categoria, não podia suportar ser inferior a Deus. Sua rebelião, porém, foi sufocada, no que se apelava para o primeiro relato da criação.

Segundo tal ideia, com a palavra de Deus “E houve luz”, teriam sido criados os anjos bons, e, com a separação entre luz e trevas, os anjos rebeldes foram precipitados nas profundezas do inferno.

Outros escritos extrabíblicos daquele tempo afirmavam que Lúcifer teria ficado enciumado pela criação do ser humano ou – segundo a versão cristã – pela planejada encarnação de Deus em Cristo e, sob a figura da serpente, teria iludido a mulher com a promessa de “sereis como Deus”, a fim de arrastar a humanidade em sua queda.

       

Heinrich Krauss, formado em Direito e Teologia, mora em Haar, no distrito de Munique (Alemanha), e trabalha com escritor, redator e roterista de televisão.

Max Küchler, mora em Freiburg (Suíça) e é professor na área do Novo Testamento na universidade local. 

 

Nota: O  texto  A SERPENTE E SATÃ -  As Origens: um estudo de Gênesis 1-11 de  Heinrich Krauss e  Max Küchlere    não representa necessariamente a opinião deste blog nem de nenhuma das igrejas do Movimento da Ciência Cristã. Foi publicado para  refletirmos sobre a importância do estudo da Bíblia em seu contexto histórico, nas dimensões política, social, cultural e econômica. Conforme recentes  descobertas sobre fatos nela registrados e opinião de estudiosos do texto bíblico,  com o objetivo de alcançarmos o significado espiritual das Escrituras.

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 PARA PENSAR:

SERPENTE (ophis, em grego; nacache, em hebraico). Astúcia; uma mentira; o oposto da Verdade, chamado erro; a primeira menção de mitologia e da idolatria; a crença em mais de um Deus; … a primeira mentira da limitação; o finito; … a primeira pretenção audível de que Deus não era onipotente e que havia outro poder, chamado mal, que era tão real e eterno como Deus, o bem. Ciência e Saúde Com Chave das Escrituras de Mary Baker Eddy  (594:1-11).

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